Perdoar e esquecer equivale a jogar pela janela experiências
adquiridas com muito custo.
Se uma pessoa com quem temos ligação ou convívio nos faz algo
de desagradável ou irritante, temos apenas de nos perguntar
se ela nos é ou não valiosa o suficiente para aceitarmos
que repita segunda vez e com frequência semelhante tratamento,
e até de maneira mais grave.
Em caso afirmativo, não há muito a dizer, porque falar ajuda pouco.
Temos, portanto, de deixar passar essa ofensa, com ou sem
reprimenda; todavia, devemos saber que agindo assim
estaremos a expor-nos à sua repetição.
Em caso negativo, temos de romper de modo imediato e
definitivo com o valioso amigo ou,
se for um servente, dispensá-lo.
Pois, quando a situação se repetir, será inevitável que ele faça
exatamente a mesma coisa, ou algo inteiramente análogo,
apesar de, nesse momento, nos assegurar o contrário de
modo profundo e sincero.
Pode-se esquecer tudo, tudo, menos a si mesmo,
menos o próprio ser, pois o caráter é absolutamente incorrigível
e todas as ações humanas brotam de um princípio íntimo,
em virtude do qual, o homem, em circunstâncias iguais,
tem sempre de fazer o mesmo, e não o que é diferente.
Por conseguinte, reconciliarmo-nos com o amigo com quem
rompemos relações é uma fraqueza pela qual se expiará quando,
na primeira oportunidade, ele fizer exatamente a mesma
coisa que produziu a ruptura, até com mais ousadia,
munido da consciência secreta da sua imprescindibilidade.
Arthur Schopenhauer
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